quinta-feira, 14 de julho de 2022

Farmácia: piso salarial definido em lei federal é bom?

Existem diversos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que versam sobre piso salarial para determinadas profissões.

É o caso da profissão Farmácia.

A quem interessa a definição em lei federal de um piso salarial para uma profissão?

"Um PL sobre piso salarial para uma profissão necessita ser construído inicialmente entre as instituições representativas desta profissão com os profissionais dos diversos segmentos desta profissão (isso ocorreu para A  FARMÁCIA?), a fim de que o documento represente as suas necessidades reais. Esta não representação pode criar um PL com viés de finalidade e, se aprovado, involuir a própria profissão com o passar do tempo..."

1- Atividades privativas x atividades afins

Há profissão que possui atividades que lhe são privativas, e outras atividades que são afins com outras profissões.

As atividades afins sofrem concorrência com profissões que, por exemplo, não possuem piso salarial estabelecido, seja por Acordo Coletivo de Trabalho ou por lei federal.

A definição de um piso salarial para uma profissão pode diminuir a oferta de vagas, principalmente em atividades econômicas afins com outras profissões, e pode favorecer a precarização das relações de trabalho, mesmo em atividades consideradas privativas (por exemplo, a contratação pode descrever em CTPS uma ocupação que não corresponde à formação escolar do profissional, a fim de não pagar-lhe o piso salarial)...

Portanto, este cenário pode restringir o âmbito de atuação desta profissão, verticalizando-a para atividades privativas, e pode fragilizar esta atuação...


2- Ensino farmacêutico

Havendo restrição continuada ao âmbito profissional, independentemente do motivo, é possível que a formação acadêmica em Farmácia se modifique na linha do tempo, focando a formação em atividades privativas da profissão, em detrimento das atividades não privativas ou afins. Isso ocorreu com a Medicina e Engenharia, por exemplo.

Importante lembrar que a formação curricular dos cursos de graduação é analisada/revisada/aprovada pela Câmara de Ensino Superior e pelo Conselho Nacional de Educação, cujos conselheiros representantes da sociedade são nomeados pelo Presidente da República.

E, por óbvio, estes representantes irão adequar a grade curricular de um curso superior de acordo com a realidade de mercado do presente e de futuro.

Aliás, quais os critérios técnicos utilizados para a seleção e representatividade destes conselheiros?


3- Modelo de contratação

A definição do piso salarial irá impactar somente o profissional que for empregado ("carteira assinada" ou "estatutário").

Portanto, é de se esperar que as empresas privadas modifiquem o modelo de contratação para "fugir" da obrigação de pagar o piso definido em lei, como a contratação de pessoa física (prestação de serviço) ou de pessoa jurídica ("pejotização").

Esta contratação alternativa, no entanto, pode representar fragilidades, principalmente o descumprimento de pressupostos que configuram uma relação de emprego;, e a aumentar a precarização das relações de trabalho: somente a relação de emprego possibilita garantias ocupacionais ao profissional (fornecimento de EPIs, avaliação médica periódica), bem como a concessão de direitos trabalhistas (férias e FGTS).

Além disso, o profissional que não aceitar estas modalidades alternativas correrá o risco real de ficar sem oportunidade de trabalho, mesmo em área privativa da sua profissão.


4- Atribuições privativas descritas em lei

A profissão que não possui lei federal que descreva as atribuições que lhes são privativas e não privativas possui uma fragilidade muito grande no que se refere à definição dos locais onde o profissional desta profissão poderá atuar (âmbito profissional) e, principalmente, as atribuições que são competência exclusiva deste, independente do local onde atuar (prática profissional).

A existência desta lei federal traz maior segurança jurídica para o exercício de uma profissão, pois será norma referência para os julgados sobre o tema no Judiciário, e haverá menor o risco de alteração lesiva do âmbito e ou da prática desta profissão.

O motivo desta maior segurança é que as leis federais são criadas e alteradas no Congresso Nacional, e demandam um rito próprio que necessita a oportunização de debates sobre o tema e necessita a atuação de representantes eleitos pela sociedade (Deputados e Senadores), cuja representação social tende a ser heterogênea e menos influenciada por interesses pessoais de nichos específicos da sociedade.

Profissão que possui seu âmbito definido em normas federais de hierarquia inferior, como decretos, está sujeita à vontade discricionária do Presidente da República sobre a manutenção, alteração ou revogação deste âmbito, o que é um risco imensurável.

Profissão que possui sua prática profissional (atribuições) definidas somente por resoluções expedidas pelo respectivo conselho de fiscalização também possui risco jurídico sobre sua legitimidade, pois as atribuições consideradas pertinentes por um conselho federal a sua profissão pode não ser para outra.

Aumentará o risco de judicialização dos segmentos econômicos afetados direta ou indiretamente com o impacto financeiro para pagamento do piso salarial, questionando, por exemplo, a legalidade sobre a necessidade do profissional para exercer "A" ou "B" atribuições, considerando a inexistência de lei federal que descreva tais atribuições...


5- Sobre os conselhos profissionais e suas profissões

Como visto, a defesa irrestrita de um piso salarial definido em lei federal pode representar riscos aos conselhos profissionais e à profissão que ele fiscaliza, pois poderá haver:

- a redução de empresas registradas que atuam em atividades afins com outra profissão;

- a redução de profissionais inscritos devido à precarização das relações de trabalho existentes;

- a alteração da grade curricular desta profissão, para adequação ao mercado, com diminuição/exclusão de conteúdos que não lhe sejam privativos;

- a diminuição do âmbito profissional;

- a perda de força política para, por exemplo, aprovação de lei federal de interesse à profissão, como a descrição das respectivas atribuições privativas.



Alguma semelhança com o que está acontecendo com a profissão Farmácia?


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